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PARTE II - Neurose: o drama entre o desejo e a lei

Por Carlos Mario Alvarez


A neurose é, talvez, o território mais familiar da clínica psicanalítica. É nela que a maior parte de nós habita — entre o que se deseja e o que se teme desejar. Freud foi o primeiro a perceber que o sintoma neurótico não é uma anomalia, mas uma solução simbólica criada pelo sujeito para suportar o conflito entre o prazer e a lei, entre o impulso e o interdito.


A neurose é, portanto, uma forma de defesa, um modo de manter o equilíbrio psíquico diante do excesso pulsional e do desamparo que funda a existência. Seu mecanismo central é o recalque: o processo inconsciente que afasta da consciência tudo aquilo que ameaça o eu com o peso do desejo.


Mas o que é recalcado não desaparece. Ele retorna, disfarçado, travestido, simbólico. Retorna na forma de sintomas, lapsos, sonhos, repetições. Como dizia Freud, “o sintoma é o retorno do recalcado” — a lembrança de algo que o sujeito tentou esquecer, mas que insiste em se fazer ouvir.


Neurose

As três faces da neurose


Dentro da estrutura neurótica, encontramos três modos principais de lidar com o conflito: a histeria, a neurose obsessiva e a fobia. Cada uma é uma forma particular de negociar com o desejo e com a falta, cada uma tem sua poesia e seu sofrimento.

Na histeria, o corpo fala o que a palavra não consegue dizer. O desejo é enigmático, o amor se torna o palco do drama e o sintoma, um grito disfarçado de dor. A histérica encena o impasse humano entre querer ser amada e temer o preço desse amor.


Na neurose obsessiva, o sujeito busca controlar o incontrolável. A mente se torna um labirinto de pensamentos, rituais e repetições. O obsessivo quer dominar o desejo pela via do pensamento, como se o raciocínio pudesse substituir a vida. Mas o que ele tenta dominar é justamente aquilo que o habita: o desejo que escapa, insiste, retorna.


Já a fobia organiza a angústia em torno de um objeto específico — um animal, uma situação, um lugar. O medo se concentra ali para que o sujeito possa, de alguma forma, suportá-lo. O fóbico evita o encontro com o objeto temido, mas o que está em jogo é algo muito mais profundo: o temor da própria falta, do desamparo primordial.


Entre o sintoma e o sentido


Na neurose, o sintoma não é um erro a ser corrigido, mas uma mensagem cifrada. Por trás de cada angústia, há um pedido de escuta; por trás de cada sintoma, uma verdade meio-dita. A análise, nesse contexto, não busca eliminar o sintoma, mas decifrá-lo — fazer com que o sujeito descubra o sentido oculto de sua própria repetição.

Segundo Lacan, o neurótico é aquele que vive sob o domínio do desejo do Outro. Ele se pergunta o tempo todo: “O que o outro quer de mim?” E nessa tentativa de satisfazer uma demanda impossível, perde-se de si mesmo. A análise propõe um movimento inverso: fazer o sujeito escutar o próprio desejo, sem medo de errar, sem necessidade de aprovação.


A travessia da fantasia


Lacan descreve o percurso analítico como uma travessia: a travessia da fantasia neurótica.

 É o momento em que o sujeito deixa de se identificar com o papel que sempre desempenhou — o do bom filho, o do culpado, o do perfeito — e se autoriza a existir de outro modo. A cura, então, não é a ausência de conflito, mas a liberdade de se relacionar com o próprio sintoma de uma forma criativa e menos sofrida.


A neurose não é um defeito; é uma tentativa de sobreviver ao impossível. Cada neurótico cria, à sua maneira, uma ponte entre o desejo e a lei. A psicanálise não quebra essa ponte: ela ensina o sujeito a atravessá-la, consciente de que o vazio — longe de ser um castigo — é o espaço onde nasce o desejo.


Afinal, a neurose é o teatro onde o inconsciente ensaia sua verdade — e escutá-la é o primeiro passo para que o sujeito possa, enfim, ser autor da própria história.


Este é o segundo texto da série sobre as Estruturas Psíquicas, dedicada a iluminar as tramas invisíveis que organizam o psiquismo humano. No artigo de hoje, mergulhamos na neurose, esse drama íntimo entre o desejo e a lei, onde o sujeito se debate entre o que quer e o que acredita poder querer.


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