Onde está, no corpo, a nossa essência? Esse é o mistério de que o próprio Freud falava. Esse corpo tem os seus sinais vitais, esse corpo se constitui de órgãos com múltiplas existências nesse um, e são órgãos de prazer e desprazer. Todo processo de conservação, manutenção, crescimento e amadurecimento desse corpo passa pela educação. Todos os corpos são educados. Esse corpo passa por dimensões boas e ruins, aspectos libertadores e opressores, doentes e saudáveis, expansivos e limitadores, de maneira tal que o efeito dessa educação vai fazendo muito do que a gente é psiquicamente. É o movimento e o aprendizado mecânico, psicomotor – Educação Física é um bom nome que aprendemos na escola -, mas é também como essa educação pode nos tornar pessoas emancipadas, confiantes, altivas ou como podemos nos tornar pessoas com libido incerta, deslocadas dos nossos desejos e anseios, impotentes e infelizes, por exemplo.
A psicanálise é um processo de investigação através da fala. E a fala tem uma espécie de imaterialidade – ela tem a materialidade do som, do significante, mas ela também pode ser considerada em suas dimensões incorpóreas. Como é que você tangencia, seleciona determinados atos falhos, que às vezes são muito imprecisos. A psicanálise escuta essas imprecisões, mas o caminho de cura, ou pelo menos de um bom desdobramento de uma análise (agora presta atenção nisso), é a construção de um corpo potente, é a construção de um corpo resistente.
Por exemplo: resistente à dor, resistente à frustração, resistente ao medo, resistente à doença. Mas também um corpo que pulse, que brilhe, que tenha a sua graça. Já viram, por exemplo, cisnes nadando no lago, leões e suas jubas, cavalos selvagens em disparada? É na beleza desses corpos que devemos pensar. E assim por diante: seres humanos nadando, correndo, bailarinas, jogadores de voleibol, skatistas, pessoas simples, andando, sorrindo. Pois é.
A psicanálise é um instrumento que pode trabalhar dando acesso à potência do corpo. E o que eu quero dizer é que os processos de educação pelos quais as pessoas passam causam nelas a tendência de elas ignorarem o corpo e de baixarem a bola do corpo.
Aí alguém pode dizer: não, espera!... Nós vivemos na cultura do corpo, do halterofilismo, dos processos de transformação através de aplicação de Botox, de preenchimento... Mas é necessariamente sobre isso que eu estou falando. Eu estou falando dos processos em que a pessoa é capaz de encontrar eixos para que seu corpo siga com vitalidade, siga com força, siga com brilho, siga com beleza. E é um processo muito comum o processo de ignorar esse corpo. As pessoas podem aos poucos ir perdendo as suas formas, as suas forças. E aí vão se viciando em determinados comportamentos que se tornam hábitos, maus, péssimos hábitos. E vão ignorando os limites, e vão se largando, e vão se estropiando. E isso é motivo de dor, de impotência. Entram, então, no processo do Complexo de Inferioridade.
Físico e psíquico andam juntos. Um corpo que se exercita, um corpo que se cuida, que se associa, que se aliança, um corpo que faz amor, faz aliança, faz pactos construtivos. Esse é um corpo que pode levar as pessoas a conquistarem mais coisas. Porque é muito complicado quando uma pessoa se olha e não se reconhece, se olha no espelho e não se gosta, não se sente atraída pelos outros, não sente incluída nos padrões de convívio. Mas eu quero insistir (e isso é mais importante ainda) que esse corpo reprimido é, por exemplo, um corpo que tem vergonha da beleza. Quantas pessoas são educadas a achar que o belo é uma espécie de vaidade pecaminosa? Quantas pessoas não são levadas a achar que é mais importante trabalhar para os outros do que trabalhar para construir o próprio corpo? Quantas pessoas não são levadas abandonar o tempo que elas têm para ficar com elas mesmas, para curtir a corporeidade delas porque são muito solicitadas pelo outro?...
Por isso eu insisto na educação do sujeito pelo cuidado de si, pelo gostar de si, pelo se tratar bem, pelo guardar o seu momento, por preservar o seu querer, por delimitar o seu espaço, por saber fazer a sua contabilidade emocional, por tudo aquilo que culturalmente é menosprezado e repudiado como atributos negativos: egoísmo, misantropia, vaidade, narcisismo, egocentrismo, e que, na verdade, são tão somente aquilo que trazemos ao nascer como necessidade de crescimento e trajetória: pura potência de vida. E que, quando voltados contra o próprio indivíduo, esses pecaminosos atributos, transformados em culpa, entopem o cadinho da alma criando a bizarra alquimia que o senso comum cunhou de Complexo de Inferioridade.
Entornemo-los em outro blogue, que este, pouco educado, quer o brilho!...
Carlos Mario Alvarez
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Uma luva de