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Entre o Amor e a Lei: A Neurose Obsessiva e o Pai em Kafka

Atualizado: 20 de mai.

Na formação da neurose obsessiva, a figura do pai não é apenas simbólica — ela é matriz, sustento e entrave. Assim como na histeria, onde a mãe ocupa o papel de continente, na neurose obsessiva o pai se impõe como potência: é ele quem detém o poder de fazer, dominar, determinar. A partir dessa estrutura, o obsessivo é formado — ou, mais precisamente, deformado — num território em que desejo e repressão se entrelaçam de forma dolorosa e paralisante.


neurose obsessiva

Franz Kafka, em sua obra Carta ao Pai, oferece um retrato contundente dessa dinâmica. A carta, jamais entregue, é uma narrativa ambivalente onde amor e ódio, submissão e revolta, convivem lado a lado. O pai é figura de autoridade máxima, aquele que vigia, julga e pune. E o filho, diante desse olhar, não deseja outra coisa senão ser aceito — ainda que isso custe a própria liberdade de desejar.


A neurose obsessiva é, nesse sentido, uma tentativa infindável de acerto de contas com esse pai idealizado. O obsessivo escreve, fala, pensa como se ainda estivesse buscando uma palavra que nunca veio — a palavra do pai. Cada pensamento repetido, cada gesto ritualizado, cada recuo diante do desejo, é um pedido de reconhecimento. Mas esse pedido é feito com medo: medo de não sustentar a leveza de uma escolha própria, medo de trair a ordem estabelecida, medo de realizar sua fantasia.


O trabalho psicanalítico com obsessivos é, por isso, delicado. Eles retardam, evitam, testam. Escondem-se atrás de argumentos racionais e longos silêncios. Mas se o analista souber esperar — e sustentar —, poderá ajudá-los a encontrar fios de sentido e a se descolar, pouco a pouco, da figura paterna opressora.


Na clínica, o obsessivo aparece como alguém produtivo, perfeccionista, rígido. Ele carrega, muitas vezes, o traço de um pai que ensinou a ser grande, forte, irrepreensível. E assim ele tenta. Mas, sob essa couraça, há o desejo secreto de ultrapassar esse pai, de aniquilá-lo até. A angústia se instala justamente aí: entre a obediência devota e o impulso de transgressão.


A psicanálise oferece um caminho: não de destruição do pai, mas de transformação da relação com ele. Ao romper com os ditames da autoridade internalizada, o obsessivo pode começar a desejar por si — ainda que isso lhe custe angústia, culpa, vergonha. Ao entrar em contato com suas fantasias e com aspectos perversos de sua subjetividade, abre-se a possibilidade de uma vida menos submetida e mais autêntica.


É preciso, no entanto, delicadeza. O obsessivo resiste. Sua neurose é uma armadura, mas também uma prisão. Cabe ao analista não invadir, mas escutar; não confrontar, mas sustentar. Assim, talvez, como quem costura palavras para dizer o indizível, o obsessivo encontre espaço para dizer, enfim, aquilo que nunca pôde ser dito ao pai.


🔓 Se o texto ressoou em você, talvez seja hora de abrir a porta.

Na quarta-feira, dia 21/05, às 20h30, você é nosso convidado para a aula ao vivo e gratuita:


“Estrutura: Neurose Obsessiva – Um olhar clínico e conceitual sobre os fundamentos da neurose obsessiva”


Um encontro para pensar com profundidade as formas de aprisionamento subjetivo e os caminhos possíveis de elaboração.


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A escuta começa quando algo dentro de nós decide sair da repetição.


Equipe Psicanálise Descolada

 
 
 

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