A especificidade da psicanálise é: as palavras curam o trauma. Ao atuar na angústia, o encontro analítico permite que o Ego faça uma nova compreensão daquilo que ele sofreu. Há a oportunidade de uma aceitação discursiva que dilui o trauma e permite que a dor vá se afastando.
E tudo isso se dá a partir da palavra.
Se eu tenho o domínio da palavra, se eu busco a melhor palavra, se eu entendo o que eu falo, eu começo a criar uma defesa bem-sucedida contra o trauma. Começo a criar uma defesa que mantém a minha integridade. O trauma é a quebra da sustentação na sua própria vida, e é por isso que a palavra - e com a palavra -, eu recrio a realidade.
É por isso que a psicanálise é magnânima, porque o psicanalista é treinado para escutar palavras. Às vezes a pessoa vai dizer assim: eu me senti excluído, eu me senti desprestigiado. Você vai ver que a pessoa colocou essa palavra que estava nas mãos dela. Mas se você começar a perguntar: o que é ser sacaneado? Onde você acha que foi sacaneado? E a gente vai criando uma capacidade de rodear e recriar a pulsação em relação ao sofrimento. E a pulsação, que é meramente fisiológica, é en-laçada pela palavra. A dimensão do real no Lacan é justamente a dimensão onde a palavra não chega. A palavra não pode dar conta, a palavra não alcança. Porém a palavra, com a estruturação do simbólico, é capaz de dar conta, é capaz de contar a historinha imaginária.
E o que é o real? O real é toda vez que alguma coisa é traumática. E como eu me safo do real? Criando para ele uma nova realidade, uma nova palavra. Onde eu consigo isso? Na poesia, na prosa, na conversa. E também na psicanálise.
Quando se é mais ativo na nomeação se é, consequentemente, menos sujeitado. E diminuindo essa sujeição, o sujeito fica mais artista, mais artesão no que tange à produção de uma vida melhor. A vida traumática, como diz o Caetano Veloso, “é real e de viés”. O jogo é pesado para todo mundo, mas quando a gente conta melhor a coisa, começa a abrir mão de certos preconceitos e se permite sentir outros, a coisa começa a melhorar. Como dizia o Lacan, a psicanálise seria a arte do bem viver. É a oportunidade de refazer o próprio sintoma. A canoa fura e pode se desfazer, mas a forma como eu vou lidar com isso é que vai mudar. Com quantos paus eu faço essa canoa; com quantas palavras se refaz a realidade?
Equipe Psicanálise Descolada
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