Imaginem que uma moça marcou com o namorado para ir ao cinema.
Ela pega um Uber ou um táxi e vai ao cinema. O cinema era às 19h e ele chega às 19:20, só que a moça já está lá desde às 19h. O que foram esses vinte minutos de espera?
Ao ver o namorado, a moça reage com uma cara “Oi! Tudo bem” (mas totalmente contrariada). Estar chateada é um dos afetos. Num primeiro momento (para não sair com pedra no estilingue), ela dá esse “oi”, mas totalmente contrariada. Agora, veja a carga de frustração e decepção... Raiva! Ódio! Isso não apareceu, isso ficou suprimido. “É... chegou atrasado, vamos perder o início do filme...” (ela está segurando). Sentaram, já no cinema. E como não era lugar marcado, sentaram num lugar ruim. Ela já tem uma segunda chateação, porque ela odeia sentar nas cadeiras da frente. Mas ela não fala isso pra ele porque, afinal, o filme está rolando. Até agora não rolou aquele beijo, aquele abraço caloroso. E ele, para dar uma apaziguada, pensa em pegar uma pipoca. O rapaz traz a pipoca, só que... a pipoca está salgada. “Você sempre traz a pipoca salgada!”. Observem como o psiquismo está acumulando desagrado. Já é a décima vez que ele se atrasa e já é vigésima que ele traz pipoca salgada. Bom, ela resolve relaxar e ver o filme. No final, ele sugere que eles comam alguma coisa e assistam ao jogo do time dele. Pronto! Ela explode! “Eu estou de saco cheio!” ”É sempre isso!” “Você nunca faz nada direito!”.
A moça está ali segurando, internamente, as investidas que o outro faz e que a desagradam. Vocês poderiam dizer: “Ah, mas ele foi relapso, insensível, grosseiro, ele só gosta de futebol.” Não sei. “O que ele está fazendo ali?” Também não sei. Nem aqui, nem ali. Essa é outra dualidade, ninguém sabe direito o que é aqui e o que é o lá. Quando ela começa a falar, encadeia um discurso em que as palavras (que são as representações de ideias) vão ganhando lógica e coerência, mas vão se associando aos afetos. Então, primeiro ficou chateada, depois engoliu o choro, depois se sentiu abandonada. Quando ela explode, já vem carregado das insatisfações e dos desagrados acumulados. Uma “DR” dessa ordem é uma ebulição, porque os afetos vão ganhando nomes, juntam-se afetos e representações e vão ganhando consciência. Se o rapaz vai ganhar consciência no nível de mudar como a moça deseja?... isso a gente já não sabe. Essa historinha ilustra bem esse desencontro entre as pessoas, seja entre casal, pais e filhos.... que é a expectativa que as pessoas alimentam e essa expectativa não se concretiza. Isso vai gerando esses graus sucessivos de insatisfação. Quando a gente não consegue nomear uma coisa, essa coisa fica mal parada no nosso inconsciente. Só que ela vai querer se apresentar.
Tudo que é inconsciente quer se tornar consciente. É como se todo mundo quisesse entrar na festa. E estivesse esperando a sua chance. Tem uns que vão ter pulseirinha vip, outros vão tentar pular o muro e a polícia vai botar para fora, tem outros que não vão conseguir e vão para outra festa. Enfim. Só está autorizado aquilo que pode ganhar consciência. Esse é o processo que vai se formando no inconsciente. Aquele que chega na festa e é expulso é o processo de recalcamento.
Equipe Psicanálise Descolada
Maravilhosa a explicação, o leigo consegue entender.
Tenho o curso que você fala sobre esse casal.
Amo a Psicanálise descolada.
E intetessante,e, ao mesmo tempo asssustador como expectativas do subconciente traz tantos desafetos desnecessários.