Quando assistimos Shame (filme de Steve Mcqueen, com Michael Fassbender), ao o analisarmos, vemos que se trata de um filme que mexe com questões muito particulares de determinadas posições de gozo. Mas vejam bem que gozo, em psicanálise, tem um outro fundamento, uma outra concepção. Percebam que as pessoas normalmente atrelam gozo meramente a orgasmo. Mas se vocês quiserem entender o gozo no que tange a uma pessoa que goza é preciso levar em conta a fantasia que está vinculada a esse gozo, como ele se materializa, como ele se manifesta. De fato, orgasmo é uma modalidade de gozo. O gozo não traz uma narrativa, ele traz uma posição não analisada. Num certo sentido, o papel do analista é fazer aparecer o gozo em novas palavras, ele tende a ser algo não tangível.
Nós, ao analisarmos um filme como Shame, não podemos fazê-lo de forma ordinária, via senso comum, como faz todo mundo, que simplesmente “patologizam” o protagonista. Não! Nós temos que fazer outra caminhada. Temos uma outra tarefa (que eu diria que até que é muito mais ousada), que é a de descobrir as dimensões de gozo do filme. Temos que verificar, até, que não é interessante, do ponto de vista da psicanálise, patologizar esta pessoa sobre a qual todo mundo diz sempre a mesma coisa. Eu já digo a vocês: vamos pensar em outras perspectivas. Todos nós já sabemos que o Brandon é um compulsivo sexual, perverso narcísico... Eu não estou negando isso, estou dizendo sim para outras questões que, parece-me, se estabelecem um pouco além da percepção de pessoas que tem um laço mais “comum” com a realidade. Muito aderidos, esses laços, não só às dimensões morais, principalmente do discurso médico psicopatologizante, ou as dimensões de empatia, os quais têm, muitas vezes, uma conotação de determinadas posturas em nome de um certo bem comum, um certo bem-querer ou de uma compreensão ordinária.
Isto não é um spoiler, mas apenas um guia de leitura, uma prévia analítica, que começa pela própria tradução do título: vergonha? Não, eu diria: constrangimento. Mas esse constrangimento está para nós que o assistimos, e não para o protagonista. Constrangidos ficamos nós através da câmera intencional do diretor, que nos quer fazer sentir constrangidos, enquanto sua personagem transita impávida dentro da sua própria e indiferente normalidade. É um filme para pensarmos, entre outras coisas, quanto nós depositamos de nossas próprias patologias nas personagens que acolhemos ou repudiamos. É um filme para que nos surpreendamos quando a personagem parece nos perguntar, ao vivo e em pele: constrangimento de quem, cara pálida?
Carlos Mario Alvarez
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