Imagine uma pessoa que atravessa um certo período de angústia. Ela está obcecadamente trabalhando e, ao final do expediente, pela quantidade de embalagens que se acumulam ao lado do computador, ela percebe que comeu 10 barras de chocolate num período de 8 horas. Ela é assaltada por um imenso susto ao constatar que não se lembra de ter ingerido todo aquele doce. Ao contar à analista o que lhe aconteceu, ela diz que passou o dia todo com um aperto no coração. Ao passo que a analista pergunta: por que você acha que ao me dizer isso, você colocou a mão na boca do seu estômago ao invés de colocá-la no seu coração?
O que caracteriza a compulsão é que ela é um processo absolutamente estreito. A compulsão, fica numa porta giratória em que nada sai “pra fora”. A pessoa que está vivendo um processo compulsivo, não só tem pouquíssima capacidade de parar isso naquele momento, como há pouca compreensão do que está se processando naquele momento. Ela percebe, mas não entende muito bem o que é aquilo, porque aquilo está cifrado. E ao mesmo tempo que é estranho, traz uma certa recompensa. Esse estranho, que insiste nele, que não faz nexo, não faz desdobramentos e fica encapsulado, encriptado, produzindo uma energia muito forte, concentrada, com um tipo de relação de objeto muito particular e específico onde esse objeto é utilizado para consumo e ejeção – ou para consumo e rápido descarte. Mas entendam que esse objeto que visa a compulsão não é movido pelo desejo.
Compulsão não é desejo.
A compulsão pode ser uma moção carregada de intenções. Não que a pessoa queira, mas a intenção é o movimento, e por isso é a própria pulsão. Imagina que ela fosse se instalar como um corpo estranho, quase como um invasor. Uma pessoa que está vivendo uma compulsão fez um circuito - o qual a psicanálise chama de gozo - que traz sofrimento e instabilidade; ela pouco sabe daquilo, pouco controla aquilo, pouco o domina. Portanto, não é desejo. Porque o desejo, ele começa a ter a especificidade de ser traduzido em fantasia; e uma fantasia é capaz de ser narrada, de ser desdobrada. Então, vejam que a característica da compulsão é que ela está enquistada no sistema como um corpo estranho, trazendo para ela muito investimento, roubando de outros lugares, tornando aquela pessoa ilhada, e de maneira tal que ela fica obcecada, compulsiva, dominada, fascinada.
Na psicanálise, o desejo é libertador.
O desejo consegue estilizar a vida de uma pessoa. Faz com que seja possível assinar o seu estilo. Qual a sua assinatura? Você escreve. Troca. Compra. Mostra. Negocia. Muda. Aprende. Erra. Conserta. Pede desculpas. Segue em frente. Não pede desculpas. Renuncia. Mas segue em frente. Liberada pelo desejo, que se modifica, multiplica-se e assim a conduz. A compulsão encarcera no círculo vicioso da culpa hipnótica inconspícua.
Compulsão e desejo são como força centrífuga e centrípeta.
Equipe Psicanálise Descolada
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